Lei deixa de vedar que advogados acessem processos sob sigilo em que não atuam

Algumas mudanças no Estatuto da OAB passaram desapercebidas durante a tramitação a do Projeto de Lei 5.284/2020. Os parágrafos 1º e 2º do Artigo 7º do Estatuto (Lei 8.906/1994), que trata dos direitos profissionais dos advogados, acabaram revogados por um aparente erro de redação final dos técnicos da Câmara. O primeiro parágrafo vedava, entre outros pontos, o acesso de advogados a processos sob segredo de Justiça em que não atuam. Já o segundo garantia aos advogados imunidade profissional, “não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade (…)”. O jornalista André Spigariol chamou atenção para a questão em seu perfil no Twitter ao apontar o erro do Congresso.

A revogação dos artigos, tida pela OAB como um “erro material da equipe técnica da Casa”, também passou pelo Senado e foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) há um mês. De acordo com um parecer da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB, as modificações não constavam de qualquer emenda apresentada ao projeto e não foram alvo de deliberação pelo plenário. Ainda segundo a OAB, a confusão teria se dado porque, ao renumerar os parágrafos após a aprovação do PL, a equipe técnica interpretou como revogados os dois dispositivos. A entidade solicitou que a Câmara corrija o texto.

Consultado pelo JOTA, o professor André Vasconcelos Roque, especialista em Direito Processual Civil, explicou que o sigilo de processos sob segredo de Justiça continua garantido tanto na Constituição como no Código de Processo Civil — “o direito de consultar os autos de processo que tramite em segredo de justiça e de pedir certidões de seus atos é restrito às partes e aos seus procuradores”.

Assim, a mudança no Estatuto da OAB não terá efeitos práticos automáticos, ainda que possa dar margem para que um juiz conceda o acesso a processos em segredo de Justiça, o que traz uma insegurança jurídica.

Com relação à imunidade profissional, a OAB também tratou de minimizar a mudança legislativa. “Apesar do erro material na redação final do projeto de lei, a OAB entende que o equívoco não produz qualquer efeito prático para a imunidade da advocacia, uma vez que a garantia também é expressa tanto na Constituição Federal quanto no Código Penal, que estabelecem a inviolabilidade da advocacia em seus atos e manifestações”, explicou o vice-presidente da OAB Nacional, Rafael Horn.

O relator do projeto na Câmara, deputado Lafayette de Andrada (Rep-MG), reconheceu o erro. “Trata-se de uma construção equivocada do artigo 7º, pois o texto do substitutivo dava nova redação aos parágrafos 1º e 2º do referido artigo, quando, na verdade, a intenção era incluir novos parágrafos e manter o conteúdo dos dois parágrafos então vigentes. Quando um texto de alteração é muito distinto do vigente, a praxe é revogar o texto vigente e incluir o aprovado numa nova numeração”, justificou o parlamentar.

Ainda que a própria Câmara tenha reconhecido o erro, e que a OAB dê como certa a volta dos dispositivos, ainda não está claro o desenlace dessa confusão. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), enviou um ofício ao Palácio do Planalto solicitando que Bolsonaro sancione novamente o texto, dessa vez com o texto corrigido. No entanto, o regimento interno do Senado prevê, na parte em que trata de erros materiais, que “se a matéria já houver sido votada pelo Senado, a Presidência providenciará para que seja objeto de nova discussão, promovendo, quando necessário, a substituição dos autógrafos remetidos à Presidência da República ou à Câmara”.

 

FONTE: JOTA

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